Frase é de Karina dos Santos, 21 anos, vencedora de Concurso de Beleza Miss Primavera para reeducandas, realizado na Penitenciária Feminina de Pirajuí
Matéria: Marcus Liborio
Fotografia: Ana Beatriz Garcia
Sorriso e ansiedade marcam a expressão das candidatas. Vestidos longos, salto alto e maquiagem sob medida. Ternos e gravatas pomposos para os concorrentes a categoria Mister: quem levaria o título da beleza, simpatia e passarela? A cena não aconteceu em luxuosos salões nem teve a elegância de grandes concursos com as principais modelos do universo da moda. Foi registrada na Penitenciária Feminina "Sandra Aparecida Lario Vianna" de Pirajuí (58 quilômetros de Bauru), nessa sexta-feira (6), durante o 2.º Concurso de Beleza Miss Primavera. As candidatas eram as próprias reeducandas da unidade.
Karina Regina dos Santos, 21 anos, foi eleita Miss Primavera |
"Quando desfilei, nem parecia que eu estava na cadeia. Hoje, as grades se dissolveram". A frase é de Karina Regina dos Santos, 21 anos. Ela foi eleita Miss Primavera após disputa acirrada. Neste ano, aproximadamente 250 presas de todos os pavilhões se inscreveram para o concurso. Deste total, 32 foram selecionadas para participar do evento.
Com intuito de elevar a autoestima das detentas, resgatar valores como autonomia e dignidade e promover a diversidade no cárcere, o torneio elegeu ainda uma Miss Plus Size Primavera (categoria para mulheres que usam roupas acima do padrão convencional) e um Mister Primavera, que contou com a participação de reeducandas transexuais.
Na penitenciária, Karina passou a dar valor nas pequenas coisas da vida. De Ourinhos, está presa há nove meses após se envolver com cocaína. Acusada de tráfico, espera por audiência na Justiça. "Quando a gente se vê dentro da cela, o sentimento é de desespero e de muita tristeza. O mais difícil é lidar com a saudade da família".
Mãe de um menino de 2 anos, a agora Miss Primavera da unidade prisional quer mudar de vida e correr atrás de seus objetivos. "Tenho vontade de ser modelo, mas meu grande sonho é fazer faculdade de direito e me tornar uma advogada. Hoje, o que tenho a dizer para quem está no mundo das drogas e do crime? Apenas uma coisa: não compensa".
'SOU UMA GORDINHA FELIZ'
Festa e alegria. Este foi o clima que predominou no concurso. Entidades parceiras do município contribuíram com empréstimo de vestidos, sapatos de salto alto e maquiagem. Além disso, cabeleireiras e maquiadoras voluntárias ofereceram seus serviços para ajudar no preparo das candidatas.
Cintia da Silva: “Hoje, sou uma gordinha feliz e Miss Plus Size” |
Na passarela, as reeducandas esbanjaram beleza e simpatia. Mostraram, ainda, que são capazes de superar as dificuldades, o preconceito e os traumas. Exemplo da vencedora da categoria Miss Plus Size, Cintia Aparecida da Silva, 32 anos. Quem admira a sua autoestima nem imagina o sofrimento pelo qual ela passou ao ser menosprezada pelo próprio marido.
"Eu sempre tive um complexo muito grande de ser gorda. Uma amiga apareceu um dia e disse: 'Você quer emagrecer? Então use cocaína'. Foi quando me envolvi com as drogas. Meu marido, que me abandonou depois, sempre falava que eu era gorda e feia e que ninguém ia me querer", conta.
Foi dentro da prisão que a massoterapêutica venceu o sentimento de inferioridade. "Refleti bastante. A força de vontade e os meus objetivos de vida, de não querer mais me envolver com drogas e poder estar com as minhas 4 filhas, me ajudaram a superar tudo isso. Hoje, sou uma gordinha feliz", comemora, aos risos.
Diversidade
Erick Cerigato venceu na categoria Mister |
Os concorrentes a Mister Primavera também envolveram bastante o público e os dez jurados que avaliaram os candidatos. Com simpatia e elegância, alguns atraíram até a atenção da escrachada Cleide Bi (personagem criado pelo ator de teatro Osmar Nunes), que teve a missão de animar o evento.
Se apresentando como Erick no concurso, Erica Martins Cerigato, 22 anos, foi quem faturou o título. Ao JC, ele disse que já perdeu as contas de quantas vezes precisou lidar com o preconceito. "Tive que fazer até tratamento com psicólogo. Infelizmente, ainda existe muita gente preconceituosa", lamenta ele, que está preso há 2 anos, acusado de roubo.
Erick destaca a importância do evento no combate a prejulgamentos e também para elevar a autoestima das detentas. "A gente sente uma liberdade, mesmo que por pouco tempo. É ótimo poder vestir uma roupa que não tenha as cores caqui e branco", brinca, referindo-se ao uniforme usado pelas reeducandas dentro da unidade.
Pioneira
A 1ª edição do concurso de beleza, realizada em outubro de 2016, também foi aberta a todas as presas de regimes semiaberto e fechado e contou 130 inscritas de todos os pavilhões. A diretora da Penitenciária Feminina de Pirajuí, Graziella Fernanda Rodrigues Costa, diz que a unidade foi pioneira na iniciativa no Estado. Ela frisa que é importante estimular a autoestima das reeducandas. “Grande parte foi abandonada. Se a gente não oferece eventos assim, não há como elas se reerguerem antes de voltarem para o convívio social”, finaliza.
Documentário
Diretor bósnio Srdjan Sarenac está produzindo documentário na penitenciária |
Desde o início de setembro, a equipe do diretor bósnio Srdjan Sarenac, ou Sérgio - como ele mesmo se apresenta -, está na Penitenciária de Pirajuí gravando o documentário "Prison Beauty Contest" (Concurso de Beleza na Prisão) sobre concursos de beleza e ações de reintegração social para mulheres privadas de liberdade.
Esta é a segunda fase das gravações do filme, que será exibido em 2018 em festivais de cinema na Europa. Conforme divulgado pelo JC, a primeira etapa das filmagens ocorreu em março deste ano, no início das seletivas do concurso.
"É um trabalho para o cinema. O diretor (Srdjan) se interessou em saber sobre a transformação das mulheres, o quanto que a beleza é importante para elas recuperarem a autoestima, principalmente num ambiente tão hostil quanto é a cadeia", destaca a produtora do documentário, Julia Hannud.
Fonte: https://www.jcnet.com.br
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